Entenda a visão adventista a respeito da relação entre poder religioso e civil
Entre os princípios sobre política está o da separação entre Igreja e Estado.Sua compreensão é de que cada uma dessas entidades deve cumprir sua função sem interferir nas atividades da outra.
Isso levou a igreja a ssumir uma postura apartidária ao longo de sua trajetória.Corporativamente,ela não possui nem manté, partidos políticos,não se filia a eles,tampouco repassa recursos para atividades dessa natureza.embora respeite as autoridades constituídas,ela não participa de qualquer atividade político-partidária.
Essa postura originou-se no processo de estabelecimento da denominação nos Estados Unidos,em meados do século 19,qunado a ideologia e o formato dos paritidos políticos concorriam com o exercício da religião.Intencionalmente,as ideias partidárias defendidas possíam um apelo religioso.Defesa da liberdade,erradicação do mal,cuidado dos pobres,doentes e oprimidos eram alguns dos elementos bíblicos usados no discurso político para atrair cristãos ansiosos por ação à militância partidária.
Porém,durante o período de consolidação da Igreja Adventista,os líderes da denominação entenderam,na prática,como o partidarismo político atrapalhava o desenvolvimento da igreja.Uma vez que a estrutura político-partidária da época reproduzia as atividades de uma organização religiosa,era de se esperar que,além de trazerem os debates para a igreja,os militantes não tivessem o mesmo envolvimento,lealdade e paixão por ambas.
Ellen G. White,co-fundadora da denominação,desaconselhou os membros a ter esse duplo envolvimento,embora não os isentasse de seus deveres civis.No caso daqueles que tivessem vínculo empregatício com a igreja,ela foi ainda mais enfática,pois acreditava que,caso decidissem entrar no pleito,deveriam ser afastados de suas funções administrativas ou de qualquer outra natureza na organização.
Assim,desde 1856,pioneiros como Tiago White,Uriah Smithe Roswell Cotrell,entre outros,buscaram conscientizar os adventistas de que,embora eles devessem ser bons cidadãos neste mundo,seu foco deveria estar no reino de Deus e não nos poderes terrenos.
No entanto,em 1860,Tiago White,na época um dos líderes da denominação,reconheceu que seria necessário desenvolver uma posição mais clara e definitiva sobre o assunto.Desse modo,a partir da oficialização da igreja,em 1863,foram estabelecidos princípios mais amplos a respeito da relação entre Igreja e Estado.
Declaração Recente
Em novembro de 2017,a liderança da Igreja Adventista na América do Sul reforçou sua posição por meio do documento intitulado "Os Adventistas e a Política" (para ler o material na íntegra,acesse:goo.gl/dfG9J).A declaração oficial diz:"A igreja encontra nos ensinos do Senhor Jesus e dos apóstolos base segura para evitar qualquer militância político-partidária institucional.O cristianismo apostólico cumpriu sua missão evangélica sob as estruturas opressoras dos Império Romano sem se voltar contra elas.O próprio Cristo afirmou que Seu reino 'não é deste mundo'e que,portanto,Seus 'ministros' não empunham bandeiras políticas (João 18:36).Qualquer posicionamento ou compromisso com legendas partidárias dificultaria a pregação do evangelho a todos indistintamente".
Essa visão,herdada desde a Reforma Protestate,mas ampliada pelos adventistas,é mantida pela igreja há mais de 150 anos.Hoje ela continua servindo de parâmetro para seus membros,especialmente num tempo em que a militância política e a polarização entre direita e esquerda tem se exacerbado e causado conflitos e divisão na sociedade.
Institucionalmente,apesar de entender a importância do processo democrático,a Igreja Adventista igualmente não permite que em seus templos sejam realizadas reuniões com finalidades eleitorais,seja para a promoço de candidatos (membros e não membros da igreja) ou de partidos políticos.Apesar de respeitar as pessoas eleitas para os diferentes cargos públicos,a igreja não possui uma bancada de parlamentares,não investe na formação de lideranças partidárias,nem trabalha para esse fim.
Um dos motivos que levaram os adventitas a manter essa postura foi a compreensão de que a união entre poder religioso e poder civil representa uma ameaça à liberdade religiosa.Portanto,a separação entre Igreja e Estado é uma forma de proteger o direito de crença.
Na compreensão adventista,ambas as instituições foram estabelecidas por Deus,cabendo ao governo proteger as liberdades religiosas e civis de seus cidadãos e não legislar em questões religiosas;e à igreja não dominar seu exercício,mas apoiá-lo até ao ponto de não comprometer a fidelidade a Deus.
"Como cristãos,os adventistas do sétimo dia reconhecem o papel legítimo do governo organizado na sociedade"e apoiam "o direito do Estado de legislar em assuntos seculares" e " o cumprimento de tais leis",como expressa uma de suas declarações oficiais publicada em 2002.
Complementando as declarações oficiais dos adventistas,o recente documento sul-americano acrescentou um novo tópico:a posição da igreja a respeito da participação em manifestações públicas.Ele esclarece que a denominação respeita "o direito de expressão e as reivindicações pacíficas e legítimas"e não considera errado defeder pacificamente ideias e ideais de cunho moral.Afinal,os adventistas têm saído às ruas para chamar a atenção,por exemplo,contra a violência ao mais fraco,por meio do projeto Quebrado o Silêncio e outras atividades.Porém,se posicionam contra toda forma de expressão ideológica "que lance mão da violência,física ou verbal;contra o vandalismo e a destruição do público ou privado.
A igreja entende que a desigualdade e o sofrimento promovem o surgimento de posições extremas.Por isso,ela se mantém ativamente envolvida nas questões pertinentes aos interesses e necessidades dos cidadãos,e tem procurado combater a desigualdade e a injustiça social desenvolvendo,apoiando e realizando projetos sociais e educacionais.Suas várias frentes de atuação envolvem a ADRA (Agência Adventista de Desenvolvimento de Recursos Assistenciais),ASA (Ação Solidária Adventista),escolas,colégios e universidades,entre outros programas promovidos pelos vários departamentos e instituições da denominação.No entanto,ela busca "agir na defesa de suas convicções sem conflitar com os princípios bíblicos,sem protestar contra ideologias e autoridades constituídas".Esa tem sido a forma com a qual os adventistas têm buscado conciliar seu papel no mundo com os interesses do reino de Deus.
Márcio Costa ,PhD em Teologia Histórica pela Universidade Andrews (EUA),coordena o curso de teologia do Instituto Adventista Paranaense (IAP)